Paróquia de S. Cristóvão do Muro

Vigararia Trofa/Vila do Conde
Diocese do Porto - Portugal

domingo, 27 de abril de 2014

O ESPÍRITO DA DEMOCRACIA

José Tolentino Mendonça


Ao fazer quarenta anos, o 25 de Abril quis celebrar com grande festa.
Tem havido um sem número de iniciativas: publicaram-se volumes de história contemporânea com enorme interesse; a música de intervenção voltou a ser escutada nas rádios; organizaram-se colóquios; rebuscou-se imagens e protagonistas no fundo silencioso dos arquivos.
A par disso, desencadearam-se polémicas, algumas que parecem ainda inevitáveis, outras talvez nem por isso. Mas tudo cabe numa festa.

O 25 de Abril de 74 constitui efectivamente um marco. Trouxe-nos o regime democrático e o que ele representa em termos de cidadania e de cultura; operou a descolonização, conseguindo uma saída pacífica e digna para conflitos que pareciam insolúveis; recolocou Portugal no desígnio europeu, ajudando a vencer um persistente isolacionismo. O 25 de Abril qualifica-nos assim com uma herança imensa.
E, sem dúvida que, como sociedade e nação, precisamos de reencontrar-nos com essa memória, envolvendo nela as novas gerações.

Mas o que o 25 de Abril nos legou não é propriamente uma obra acabada, que nos cabe apenas conservar.
Pensemos na democracia.
Claro que a instauração do regime representa um extraordinário momento histórico.
Mas a democracia não está feita.
É em cada dia, em cada ciclo que ela se constrói e reinventa para poder cumprir-se.
A democracia tem muitas ameaças, que mesmo não sendo ameaças ao sistema, são ofensas ao espírito da democracia: e elas provêm sobretudo da pobreza, do desemprego, da exclusão e da injustiça.
Cabe-nos a todos, mas de forma particular aos que democraticamente nos representam, zelar pela saúde da democracia.
Quarenta anos depois da revolução de Abril, o pior que nos podia acontecer era contentarmo-nos por vivermos formalmente num estado democrático e abandonarmos as inquietações do espírito da democracia, que nos obriga a fazer festa, é verdade, mas também a arregaçar as mangas.
Como dizia Sophia de Mello Breyner Andresen, o 25 de Abril é o “dia inicial”.


Editorial da Agência Ecclesia, 25-04-2014

Sem comentários:

Enviar um comentário